quinta-feira, 10 de novembro de 2011

“O VELHO”

Empurrou a porta do quarto silenciosamente, logo de imediato lhe chegaram os odores característicos de um local onde se encontra alguém acamado, entrou cautelosamente, quase como se de um estranho se tratasse.
Ele e o velho nunca tinham tido uma relaçãode muita intimidade, a sua vida tinha-se desenrolado sem grandes contactos apesar de viverem na mesma casa, o velho era assim, sempre se tinham dado bem e o velho nunca lhe negara ajuda todas as vezes que precisara, mas sempre numa relação distante.
Apesar de toda a sua vida até ali ter sido sempre como que em mundos à parte, ele gostava do velho e sabia que o velho também gostava dele , mas à sua maneira muito peculiar.
O velho entreabriu ligeiramente os olhos ao pressentir a entrada de alguém.
Então, vais melhor ?- perguntou à laia de cumprimento.
Vai-se indo. Disse o velho com um sorriso fraco, e tornou a fechar os olhos sem se mexer.
Ele sentou-se na beira da cama e ficou ali um pouco no silêncio do quarto, ouvindo-se apenas o chilrear dos pássaros lá fora, onde um belo sol de primavera brilhava intensamente. Por vezes chegavam-lhe aos ouvidos os sons provenientes da cozinha e que para ele eram bem familiares, eram os ruídos da velha a preparar o almoço.
Todas as janelas do quarto se encontravam com as cortinas fechadas, para a claridade do dia não incomodar o velho, com excepção de uma que se encontrava apenas meio corrida e por onde entrava um raio se sol que se espraiava pelo chão do quarto com as inevitáveis part´culas de poeira que bailavam no ar. Aquela calma trouxe-lhe à memória os tempos passados da sua infância e juventude que naquela casa tinha vivido.
Nunca se casara, tinha saído de casa com cerca de vinte anos, única e exclusivamente para se sentir mais independente. Tinha o seu trabalho que lhe dava bem para viver e o facto de ficar em casa dos velhos dava-lhe sempre aquela sensação de ter que dar sempre satisfações acerca de tudo, coisa que ele não suportava, gostava de estar à vontade no seu espaço, mas gostava muito daquela casa, todos os seus recantos e até o próprio cheiro, característico e que lhe era tão familiar.
Tornou a olhar o velho, pareceu-lhe que dormitava, mas não, apenas tinha os olhos fechados, estava-se bem ali, naquele ambiente morno e silencioso.
Pôs-se entretanto a fazer mentalmente uma retrospectiva da sua vida naquela casa, lembrou-se da escola primária, dos amigos, de que, entretanto, (todos ou quase todos) tinha perdido o rasto, pois tinham, também eles seguido o rumo das suas vidas.
Recordou os tempos de liceu, a universidade e o facto de ter estudado e trabalhado durante os últimos anos do curso, só para poder estar na sua casa e sair debaixo das saias da velha.
De repente um estremecimento na cama fê-lo olhar para o velho, tinha o rosto crispado pelas dores que por vezes o atacavam com força, ele pegou num frasco que se encontrava na mesa de cabeceira, com uns comprimidos encarnados muito pequenos, já sabia como tudo se processava naqueles momentos pois já tinha sido instruído pela velha nas várias visitas que tinha feito lá a casa, desde que o cancro tomara conta, de uma forma irreversível, do corpo do velho. Quando o velho sentia dores tinha que se lhe dar logo um comprimido daqueles para o acalmar, abriu o frasco a olhar para o velho e viu-o abrir os olhos, olhar para ele com um olhar tão meigo como nunca lhe vira, (excepto talvez uma ou duas vezes quando era criança) tornou a fechá-los e o seu corpo como que se enteiriçoue foi voltando ao normal a pouco e pouco, a cabeça tombou um pouco para fora da almofada, foi quando ele, ao tentar aconchegá-lo se apercebeu que o velho se tinha despedido de si, estava morto.
Ali ficou ele então, patéticamente sentado na beira da cama, sentindo-se completamente impotente, com o frasco dos comprimidos numa das mãos e com a outra pousada na testa do velho, olhou para a janela com um sentimento misto de angústia, tristeza e raiva, por esta existência tão curta, que no fim de contas não passa de uma luta constante pela sobrevivência, até ao inevitável fim de tudo, o que lhe provocava uma forte pressão no peito e uma enorme vontade de gritar.
Lá fora o dia continuava belo, os pássaros continuavam a chilrear e os sons monótonos da cozinha chegavam até si abafados, a sua cabeça dava voltas e mais voltas misturando todas os pensamentos que estava a ter, com a preocupação de saber como havia de dizer à velha que o seu velho já não existia.
Reduzido à sua pequenez em relação a algo tão poderoso como a morte, o seu pensamento deambulou por instantes entre as imagens passadas e o presente, e com uma enorme vontade reprimida de chorar, sentindo um picar insuportável nos olhos e na garganta, pensou como havia de dar a notícia à velha, enquanto uma lágrima teimosa lhe escorria pelo rosto ao mesmo tempo que lembrava os tempos felizes de infância.





FIM

Sem comentários:

Enviar um comentário