segunda-feira, 14 de novembro de 2011

RETALHOS DA HISTÓRIA DO VINHO

A Vinha e o Vinho em Portugal
Desde os tempos mais remotos que o vinho tem vindo a desempenhar um papel de grande importância em quase todas as civilizações. Fruto da videira e do trabalho do Homem, não é ultrapassado por nenhum outro produto da agricultura, aliando esse fruto saboroso e nutritivo à bebida privilegiada, precioso néctar, dele extraída.
O vinho aparece, desde muito cedo, carregado de um valor sacramental, a que não é estranha a sua semelhança com o sangue, considerado a essência da própria vida, fonte de lendas e inspiração da mitologia. Considerado pelos antigos Dádiva de Deuses e Sangue de Cristo, o vinho é parte importante da nossa civilização, a que chamamos ocidental, cujos fundamentos se encontram no direito romano e na religião cristã, que desde sempre enalteceram e dignificaram este saboroso liquido.
Mas ... tentemos fazer uma pequena viagem até às mais recônditas origens, na história da vinha e do vinho em Portugal.
2 000 anos a.C.- séc.X a.C.- séc.II a.C.
Reino de Tartessos; Fenícios e Gregos; Celtas e Iberos
Embora envolto em muitas dúvidas e muitos mitos, pensa-se que a vinha terá sido cultivada, pela primeira vez, em terras da Península Ibérica (vale do Tejo e Sado), cerca de 2 000 anos a.C., pelos Tartéssios, os mais antigos habitantes desta Península, cuja civilização parece ter sido bastante avançada. Estes habitantes do Reino de Tartessos mantinham relações comerciais por todo o mundo trocando diversos produtos entre os quais o Vinho, que veio a servir, provavelmente, de moeda de troca no comércio de metais.
Os Fenícios, cerca do séc. X a.C., acabam por se apoderar do comércio dos Tartéssios incluindo o respeitante aos vinhos. Pensa-se, também, que tenham trazido algumas castas de videiras que introduziram na Península.
No séc. VII a.C. os Gregos instalam-se na Península Ibérica e desenvolvem a viticultura.
Na necrópole de Alcácer do Sal foi encontrada uma cratera grega de sino (vaso onde os Gregos diluíam o vinho com água antes de o consumirem), datada do séc. IV a.C. Os Gregos deram uma particular atenção à arte de fazer vinho.
Alguns autores referem que Ulisses ao fundar a cidade de Lisboa ( a que deu o nome de Ulisseia ou Olisipo) seguiu o costume usado nas suas viagens, oferecendo vinho para festejarem com ele as boas vindas.
Crê-se que no séc. VI a.C., os Celtas, a quem a videira já era familiar, teriam trazido para a Península as variedades de videira que cultivavam. É, também, provável que tenham trazido técnicas de tanoaria.
Os Celtas e os Iberos fundem-se num só povo - os Celtiberos -, ascendentes dos Lusitanos, povo que se afirma no séc. IV a.C.
Séc.II a.C. a Século VII
Romanos e Povos Bárbaros
A expansão guerreira de Roma na Península Ibérica conduziu aos primeiros contactos com os Lusitanos, cerca de 194 a.C., a que se seguiram longos anos de lutas de guerrilha, só vencidas pelos Romanos 2 séculos depois com a conquista de toda a Península em 15 a.C., conseguindo subjugar os Lusitanos.
A romanização na Península contribuiu para a modernização da cultura da vinha, com a introdução de novas variedades e, ainda, com o aperfeiçoamento certas técnicas como, por exemplo, a poda.
Nesta época a cultura da vinha teve um desenvolvimento muito grande dada a necessidade de se enviar vinho para Roma, onde o consumo era grande e a produção própria não satisfazia a procura. Os Romanos modernizaram a cultura, introduzindo novas variedades e melhorando as técnicas.
Seguiram-se as invasões bárbaras e a decadência do Império Romano. Suevos e Visigodos disputaram a Lusitânia aos Romanos, acabando por vencê-los em 585 da nossa era. Os povos ditos bárbaros adoptaram a civilização dos vencidos.
É nesta época (Sécs.VI e VII) que se dá a grande expansão do Cristianismo (apesar de já ser conhecido na Península Ibérica desde o séc. II). O vinho torna-se, então, indispensável para a acto sagrado da comunhão.
As invasões dos povos chamados bárbaros não trouxeram quaisquer diferenças na cultura da vinha. Pelo contrário, estes povos (Suevos e Visigodos) adoptaram a civilização romana, em que o vinho era considerado a única bebida adequada a povos civilizados. Pelo prestígio que esta civilização tinha conseguido, os invasores adoptaram a bebida favorita dos Romanos - o vinho.
Século VIII a XII
Alta Idade Média - Invasão dos Árabes
As invasões muçulmanas deram-se no ano 711 e, aí começa um novo período para a vitivinicultura ibérica. O Corão proibia o consumo de bebidas fermentadas e, portanto, o vinho. No entanto, o emir de Córdoba que governava a Lusitânia, mostrou-se tolerante para com os cristãos não proibindo a cultura da vinha e o fabrico do vinho.
Lisboa manteve, mesmo, o seu comércio tradicional de exportação de vinho.
No Algarve, onde o período do domínio muçulmano foi mais longo, ultrapassando cinco séculos, produziu-se sempre vinho, embora se seguissem os preceitos islâmicos. Nos séculos XI e XII, com o domínio dos Almorávidas e Almoadas, os preceitos do Corão foram levados com maior rigor dando-se, então, uma regressão na cultura da vinha.
Século XII a XIV
Baixa Idade Média
Na Idade Média, provavelmente a partir do séc. XII, os vinhos portugueses começaram a ser exportados para Inglaterra. Entre os séculos XII e XIII o vinho constituiu o principal produto exportado. Documentos existentes como, por exemplo, doações, legados, livros ou róis de aniversários, livros de tombos de bens, etc., confirmam a importância da vinha e do vinho no território português, mesmo antes do nascimento da nacionalidade. Conhecem-se doações, que incluíam vinhas, ao Mosteiro de Lorvão, entre 950 e 954.
Entretanto, já se tinha iniciado a Reconquista Cristã. As lutas dão-se por todo o território e as constantes acções de guerra iam destruindo as culturas, incluindo a vinha.
A fundação de Portugal em 1143 por D.Afonso Henriques e a conquista da totalidade do território português em 1249 aos mouros, permitiu que se instalassem ordens religiosas, militares e monásticas, com destaque para os Templários, Hospitalários, Santiago da Espada e Cister, que povoaram e arrotearam extensas regiões, tornando-se em activos centros de colonização agrícola, alargando-se as áreas de cultivo da vinha.
O vinho passou, então, a fazer parte da dieta do homem medieval começando a ter algum significado nos rendimentos dos senhores feudais. No entanto, a sua importância mantinha-se muito pelo seu papel nas cerimónias religiosas. Daí o interesse dos clérigos, igrejas e mosteiros, então em posição dominante, se interessarem pela cultura da vinha. A produção de vinho começou a ter um grande desenvolvimento na segunda metade do séc. XIV, renovando-se e incrementando-se a sua exportação.
Século XV - XVII
Idade Moderna - Renascimento
Nos séculos. XV e XVI, no período da expansão portuguesa, as naus e galeões que partiram em direcção à Índia, um dos produtos que transportavam era o vinho. No período áureo que se seguiu aos Descobrimentos, os vinhos portugueses constituíam lastro nas naus e caravelas que comerciavam os produtos trazidos do Brasil e do Oriente. Em meados do século XVI, Lisboa era o maior centro de consumo e distribuição de vinho do império. A expansão marítima portuguesa levou o vinho aos quatro cantos do mundo.
Nos séculos XVI e XVII, com a publicação de várias obras de cariz geográfico e relatos de viagens, quer de autores portugueses quer de autores estrangeiros, é possível fazer-se uma ideia das zonas vitivinícolas portuguesas, do prestígio dos seus vinhos, da importância do consumo e do volume de exportações.
Século XVIII a XX
Idade Contemporânea
Em 1703, Portugal e a Inglaterra assinaram o Tratado de Methwen onde as trocas comerciais entre os dois países foram regulamentadas. Ficou estabelecido um regime especial para a entrada de vinhos portugueses em Inglaterra. A exportação de vinho conheceu, então, um novo incremento.
No século XVIII, a vitivinicultura sofreu, assim como outros aspectos de vida nacional, da influência da forte personalidade do Marquês de Pombal.
Uma grande região beneficiou de uma série de medidas proteccionistas - a região do Alto Douro e o afamado Vinho do Porto. Em consequência da fama que este vinho tinha adquirido, ele começou a ser procurado por outros países da Europa, além da Inglaterra, importador tradicional. As altas cotações que o Vinho do Porto atingiu fez com que os produtores se preocupassem mais com a quantidade do que com a qualidade dos vinhos exportados, o que deu origem a uma grande crise. Para pôr fim a esta crise, o Marquês de Pombal criou, em 1756, a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro com o fim de disciplinar a produção e o comércio dos vinhos da região, tornando-a na região demarcada mais antiga do mundo.
O século XIX foi um período negro para a vitivinicultura. A praga da filoxera, que apareceu primeiro na região do Douro em 1865, rapidamente se espalhou por todo o país, devastando a maior parte das regiões vinícolas. Colares foi a única excepção porque a filoxera não se desenvolve em terrenos de areia. Vencida esta grande ameaça, lentamente a produção de vinho foi recuperada.
Em 1874, os vinhos portugueses estiveram representados na Grande Exposição de Londres. Em 1900, na Exposição Universal de Paris, a comissão encarregada da representação portuguesa editou uma obra bilingue Le Portugal Vinicole, a fim de ser distribuída durante a exposição.
A adesão de Portugal à Comunidade Europeia, em 1 de Janeiro de 1986, veio introduzir uma nova perspectiva na economia portuguesa e, consequentemente, na viticultura. Assim, em cada região com direito à designação de VQPRD (Vinhos de Qualidade Produzidos em Região Determinada) foi criada uma Comissão Vitivinícola Regional (CVR), a qual tem por objectivos a defesa das denominações de origem correspondentes às suas zonas, a aplicação, vigilância e cumprimento da respectiva regulamentação, assim como o fomento e controlo dos seus vinhos.
Actualmente existem, na totalidade do território português, 48 regiões demarcadas com direito à designação de VQPRD.
Algumas curiosidades históricas
A grande qualidade dos vinhos portugueses foi sempre muito apreciada no estrangeiro, pelo que damos alguns exemplos.
Em 1381, Portugal já exportava grande quantidade de Moscatel de Setúbal para Inglaterra.
A popularidade do vinho do Porto fez com que Portugal assinasse com a Grã-Bretanha, no ano de 1703, o Tratado de Methwen, pelo qual este vinho beneficiava de taxas aduaneiras preferenciais. Durante o século XVIII, para os ingleses vinho era, praticamente, sinónimo de vinho do Porto
No reinado de D.Maria I, altura em que os vinhos portugueses adquiriram grande projecção e se iniciou a exportação dos vinhos regionais, os vinhos da Bairrada foram exportados para a América do Norte, França, Inglaterra e, em especial, para o Brasil, onde os vinhos desta região eram muito apreciados.
Com as Invasões Francesas, o vinho de Bucelas começou a ser conhecido internacionalmente. Wellington apreciava-o de tal maneira que o levou de presente ao então príncipe regente, mais tarde, Jorge III de Inglaterra. Depois da Guerra Peninsular, este vinho tornou-se um hábito na corte inglesa. No tempo de Shakespeare o vinho de Bucelas era conhecido por Lisbon Hock (vinho branco de Lisboa).
Também o vinho de Carcavelos foi bem conhecido das tropas de Wellington que o levaram para Inglaterra e que foi, durante largos anos, exportado em grandes quantidades.
O vinho da Madeira foi considerado um dos de maior requinte nas cortes europeias, tendo chegado mesmo a ser usado como perfume para os lenços das damas da corte. Na corte inglesa, este vinho rivalizava com o vinho do Porto. Shakespeare referiu-se ao vinho da Madeira, como essência preciosa, na sua peça Henrique IV. Um nobre inglês, o duque de Clarence, irmão de Eduardo IV, deixou o seu nome ligado a este vinho quando, ao ter sido sentenciado à morte na sequência de um atentado contra o seu irmão, escolheu morrer por afogamento num tonel de Malvasia da Madeira. Mas para além da Inglaterra, também a França, a Flandres e os Estados Unidos o importavam.
Francisco I orgulhava-se de o possuir e considerava-o o mais rico e delicioso de todos os vinhos da Europa. As famílias importantes de Boston, Charleston, Nova Iorque e Filadélfia disputavam umas às outras os melhores vinhos da Madeira.
O vinho do Pico (Açores) foi largamente exportado para o Norte da Europa e até mesmo para a Rússia. Depois da revolução de 1917, foram encontradas garrafas de vinho Verdelho do Pico armazenadas nas caves dos antigos czares da Rússia.
Beber vinho e saber apreciá-lo, é uma arte nobre e delicada.

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